quinta-feira, 5 de maio de 2011

Sou Peão - a estória



         A fazenda do meu bisavô ficava no interior fluminense. Ela povoa a minha imaginação desde muito pequeno. Poucas vezes estive lá, mas dessas poucas vezes muitas coisas ficaram encravadas na minha cabeça. Tive sonhos juvenis, adolescente e adulto. Os acontecimentos vieram crescendo junto comigo. Me lembro que os animais eram dóceis. Não se via nenhuma forma de violência contra eles. Me bisavô não permitia em hipótese alguma. O peão que desobedecesse tinha que procurar outro pouso.
         Eu como filho de roceira me achava cheio de intimidade com os animais. Na minha primeira tentativa de montar num cavalo, foi um total desastre. Subi de um lado e caí do outro. Estabaquei feio no chão. As gargalhadas dos primos fizeram eco na fazenda. Alguns animais que pastavam próximos levantaram as suas cabeças. Me contaram isso depois. No mínimo para me sacanear. Mas na época acreditei. Ainda acrescentaram que eu atrapalhei os animais de pastarem. Fiquei impressionado.
          O cavalo que montei, ou melhor, tentei montar, chamavam-no de marinheiro. Ele  era o xodó do meu bisavô. Cavalinho educado tava ali! –“Só faltava falar!” – diziam. Com a minha queda ele nem se mexeu. Já na segunda tentativa ele deu uns dois ou três passos. E lá fui eu mais uma vez beijar a terra. E o danado do bicho parou imediatamente. Eu estava no meio das pernas dele. Dessa vez ninguém riu. Alguém correu e me tirou debaixo do animal. Agora, na terceira tentativa – essa foi a pior – caí de cabeça no chão. Mas eu tive muita sorte. O lugar onde cai tinha um acúmulo muito grande de bosta de boi e de cavalo. Ficava bem próxima a porteira principal da fazenda. Não sei o porquê deles não limparem aquilo ali! Hoje eu dou graças a Deus por aquele pedaço de terra ter ficado com tanto acúmulo de bosta. Nunca mais me arrisquei na montaria. Aquilo foi uma tremenda decepção pra mim. Mas o que se há de se fazer?  O sangue de roceiro que corre na minha veia, não quis dar às caras. Eu acho que o vexame foi por causa disso.
            O tempo foi passando. E a história foi mudando. Na minha cabeça, já chegando à adolescência, o fracasso deu lugar a um peão que nunca caia. Misturei a minha história às histórias que os boiadeiros contavam por lá. Umas de dor. Outras de amor. Os cavalos tinham outros nomes. Não me lembro muito bem! Entretanto vou arriscar alguns! Tipo ventania, trovão, corisco, pintado, vermelho... Sei lá! Deve ser por aí!
            Já adolescente, lá estava eu em cima num desses, voando pela fazenda. Com certeza me achava o melhor dos peões. No laço não tinha pra ninguém! Pra pegar um touro, só com a minha presença o bicho já se curvava! Como diziam, pegava o animal na unha! Viajava legal!
            As histórias que a gente ouve quando criança acabam fazendo parte das nossas histórias. Vamos crescendo e os fatos acabam se misturando às nossas recordações. Acabamos não tendo muita certeza se aconteceram ou não com a gente. Outras crianças também devem ter se apropriado de pedaços das histórias que ouvíamos em volta das fogueiras.
           Já adulto, laço na mão, partindo pra lida. O cavalo não era mais o marinheiro, já era Raio. O cavalo existia, mas não era esse nome. Não me lembro. Talvez Corisco. Eu só sei que ele não corria, voava! Preferi chamá-lo de Raio mesmo. Era bonito. Tinha um pelo sedoso. Branco como a neve. Ele brilhava ao sol! Era meu amigo e confidente. Conversávamos enquanto cavalgávamos. Contava as minhas alegrias. Desabafava as minhas tristezas. Ele me ouvia o dia inteiro.
           Corria campos e vales. Com o berrante em punho, tocava o gado para outras cercanias. Lá ia eu e Raio carregando a saudade com a gente. A minha eu trazia dentro da mochila. De quando em vez dava uma olhadinha. Lembrava dela passando o meu café, antes do sol nascer, e sorrindo pra mim. Já Raio eu não sabia aonde ele carregava a sua. Mas não importa muito. Vamos chamar de segredo. O importante era que ele corria comigo para eu levar o dia mais rápido. E eu sonhava com o meu amor. Acabava expulsando o dia para voltar voando. Queria mergulhar no seu colo, percorrer as suas curvas e embalar mais uma noite de paixão e amor.
    
                                                            Fim                         
José Timotheo   
Aguardem nos próximos dias a letra da música, e em seguida, sua liberação no myspace!
        

  

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