terça-feira, 29 de outubro de 2024

Uma Luz e Nada Mais - Parte 27

 


 Continuando,,,

        Natasha, movida pela ansiedade, abriu a porta algumas vezes até se decidir a sair. Mas antes de colocar os pés do lado de fora , botou a cara e olhou para um lado e para o outro. Não sabia porquê fez isso, já que nunca teve motivos para ter medo. Sempre saiu direto em direção ao quarto de Dyllon, sem sequer questionar se alguém a estava vigiando. Abriu a porta, mas não saiu imediatamente. Antes fez o sinal da cruz e pegou a sua prancheta que estava em cima da cama.

            O corredor, como sempre, estava vazio. Antes do misterioso paciente acordar, nunca questionou que poderia estar sendo vigiada, mas agora isso tinha mudado. Qualquer passo fora do seu quarto, a sensação de estar sendo observada era presente. Não era só pelas câmeras, não. Imaginava que alguém estava olhando-a por algum buraco na parede. Agora, quando saía, olhava para todos os lados. Descofiava até da sombra.

            A enfermeira olhou para o relógio: marcava sete horas e doze minutos. Ficou sobressaltada. Nem sinal do rapaz, no fim do corredor. Sabia que não podia arriscar ficando parada, então foi andando o mais devagar possível. Deu um, dois, três, quatro passos e parou, fingindo fazer alguma anotação na sua prancheta. Depois esticou olhar para a sua frente. Nisso, com um sorriso brotando sem perceber, viu quando José Antônio saiu da sua sala. Ela continuou andando em sua direção, mas ele fez sinal para que esperasse. Ele chegou do seu lado e entregou-lhe um papel dobrado. Sorriu para ela e perguntou:

            - É verdade o que você escreveu no bilhete?

            Ela não conseguiu responder, apenas balançou a cabeça confirmando. Ele sorriu e segurou a sua mão carinhosamente.

            - Leia o bilhete. Amanhã volto para o meu plantão, às sete horas. Quando sair, no dia seguinte, nesse mesmo horário, nos encontramos.

             Ela, que continuava com a mão presa na dele, sorriu e balançou a cabeça mais uma vez, dizendo que sim. Ele então levou a mão dela até próximo dos seus lábios, inclinou a cabeça,  e beijou-a carinhosamente,  deixando-a perceber claramente que estava interessado nela. O coração de Natasha ficou acelerado. O rapaz se despediu com um até depois de amanhã, e ela ficou parada sem saber o que fazer. Não sabia se ia em frente, até a enfermaria onde estava Dyllon, ou se voltava para o seu quarto, para ler o bilhete, que estava escondido na sua mão, já um pouco amassado, com privacidade. Não queria que o amigo soubesse do conteúdo, não que não confiasse nele, era talvez por vergonha. Sentiu que pudesse ter um conteúdo que pertencia apenas a ela e a José Antônio. Não queria que uma terceira pessoa, no caso Dyllon, tivesse conhecimento.

              Sentou-se na ponta da cama e abriu, nervosamente, o papel dobrado. Antes de ler, colocou em cima da cama e passou a mão por cima para desamassar um pouco. Ainda receosa do conteúdo, custou a iniciar a leitura. Depois de uma respiração profunda, tomou coragem e enfiou o par de olhos e a curiosidade em cima do bilhete.

             “Minha querida. – com esse início, sorriu e colocou emocionada o bilhete em cima do coração. Depois continuou. – Não sei o seu nome,mas  talvez você também não saiba o meu. O meu é José Antônio. Gostei muito de receber o seu bilhete. Realmente você simpatiza comigo? Gostaria de conversar?  Você disse que é impedida de falar com as pessoas da base, eu também sou, pelo contrato que assinei, mas só em relação a você. Mas eu gostaria de encontra-la, de qualquer jeito, mesmo infringindo esse item do contrato.  Desde a primeira vez que eu a vi, meu coração disparou. Não sei se aconteceu a mesma coisa com você. Estou torcendo que sim.

            Tenho uma curiosidade imensa em saber o que tem atrás daquela porta. Há três anos que a vejo entrar ali. Observei que só entram, você e os dois médicos. Sou curioso!!

             Esse bilhete está parecendo uma carta, de tão grande. Mas não vou me alongar mais. Já consegui fazer um esquema com o meu amigo, Willian, para depois de amanhã. Quando nos encontrarmos,  eu te explico tudo.

             Estou curioso em saber o que você quer me perguntar.

             Estou mandando um beijo grande, mesmo sem saber se você aprova minha ousadia.

            Até depois de amanhã, um pouquinho depois das sete horas.”

            Natasha estava visivelmente emocionada. Ao levantar da cama, percebeu que a sua perna estava um pouco bamba. O coração estava acelerado, apenas com a leitura de um bilhete. Olhou-se no espelho e viu que estava como o rosto rosado. Ia contar os minutos para o encontro com o rapaz. Naquele instante ela se viu adolescente e sentindo a mesma coisa de anos atrás. Já era uma mulher com vinte e cinco anos e nunca pensou que pudesse acontecer essa emoção de novo, depois da adolescência.

.....Continua Semana que vem!

 

terça-feira, 22 de outubro de 2024

Uma Luz e Nada Mais - Parte 26

 


Continuando...

              O Dr. Walter, pela sua expressão facial, não tinha ou não sabia o que falar para consolá-lo. Ele que estava ali para colocar o amigo a par das suas suspeitas e tentar, com ele, encontrar alguma solução para o que o martirizava, não sabia mais o que fazer.

               A sua solução, achava, era clara e objetiva, mas ainda não tinha revelado. Agora, com esse problema de Ferguson, estava num beco sem saída. Enquanto pensava, levantou-se foi até a cafeteira, jogou o saco com o pó velho fora, isso sem muita pressa, e, antes de colocar o novo pó e água na cafeteira, perguntou ao amigo se dessa vez ele aceitaria um cafezinho. Fergusson, que estava de cabeça baixa, levantou-a e balançou afirmando que aceitava o café e agradeceu ao amigo pela sua gentileza. Falou tão baixo, que saiu apenas um sussurro. Walter nem procurou saber o que ele falara, aparentemente nem precisava saber. O que estava importando, naquele momento, era chegar a uma conclusão se deveria ou não falar sobre a sua solução. Mas mesmo assim colocou a quantidade suficiente de água e pó para os dois.

                 Estava de pé, de costas para o amigo. Enquanto estava ali, não trocou  palavra com ele. Era tanto silêncio, separando os dois, que só o  barulho da água fevervente, caindo em cima do pó, não permitia que essa quietude fosse absoluta. Botou adoçante na sua xícara e derramou café, ralo feito água de batata,  tão transparente que dava para ver o fundo da xícara. Depois jogou o café direto na outra xícara, sem perguntar ao amigo com o que ia adoçar. Pegou as duas, mas antes de entregar a do amigo, se arrependeu e adoçou-a.

              Bebericaram o café, que não devia estar muito bom, porque o Dr. Fergusson fez cara feia. Já no segundo gole, colocou a xícara em cima da mesa, ainda pela medade.

             - Pelo jeito não fiz um bom café.- disse Dr. Walter.

             - Não é o café, eu é que estou ruim. – falou Dr. Ferguson.

             - Fergusson, temos ainda mais de dois anos pela frente. Até lá vamos resolver essa questão. Eu já tenho a idéia e podemos botar em prática.

             - O que é, Walter? – perguntou ansioso, Ferguson.

            Natasha acordou mais cedo do que o de costume. Estava tensa. Foi para debaixo do chuveiro quente para tentar relaxar. Era hoje o dia que ia  encontrar com o rapaz do monitoramento, José Antônio. Gostaria de se  perfumar, colocar um batom diferente do usual, pois usava apenas um brilho labial, e soltar os cabelos, mas nada disso era permitido. Sentiu uma tristeza, mas não deixou que se instalasse. Hoje era o dia de esperança. Olhava para o espelho e sorria, balançando os cabelos até soltá-los totalmente.

           Perdeu a noção do tempo que estava no banheiro. Se enrolou na toalha, saiu do box e olhou no relógio. Suspirou aliviada, o tempo fora generoso com ela, os ponteiros do relógio mal se movimentaram. Estava com o tempo suficiente para encontrar com José Antônio. Podia ir com calma para o restaurante e tomar o seu café com tranquilidade. Desde que fosse um pouquinho mais cedo, pensou. Não queria se arriscar e se  desencontrar dele. Estava ansiosa para saber o que estava escrito no bilhete que ele ia lhe entregar.

            Saiu antes das sete horas, a caminho do restaurante. Sentou-se para o dejejun. Olhou para mesa posta, como era o normal. Tinha quase certeza que sabia tudo que estava ali. Todos os tipos de pães, queijos, presuntos, biscoitos, doce e salgado, bolos... Realmente podia se fartar. Mas já estava enjoada daquilo tudo. Nem agradecer a quem fez todas aquelas guloseimas, podia. Ela nunca viu ninguém, mas tinha certeza que era vista pelo pessoal da cozinha. Como fazia sempre, olhou em volta para ver se descobria algum ponto que encontrasse algum olho a espreita-la. Depois olhou para o relógio. Faltavam alguns minutos para às sete horas. Precisamente seis minutos. Então resolveu sair dali às sete horas em ponto. Passaria pelo seu quarto, escovaria os dentes e queria estar, mais ou menos, no mesmo horário da outra vez. Com precisão não se lembrava, mas estimou em sete e dez. E era nesse horário que ia sair do quarto.  

......Continua Semana que vem!

 

terça-feira, 15 de outubro de 2024

Uma Luz e Nada Mais - Parte 25

 


 Continuando...

        Ferguson parecia em estado de choque, quando ouviu a palavra mortos.  E  instantaneamente uma palidez cadavérica tomou conta do seu rosto, destacando um par de olhos azuis assustados. O medo estava instalado, demonstrado pelo tremor bem visível que tomava conta de todo o seu corpo. Tentou falar alguma coisa, mas não conseguiu. A voz estava travada na garganta. Da palidez inicial, para a vermelhidão no seu rosto foi um pulo. Levantou-se abruptamente e começou a caminhar descontrolado de um lado para o outro. Walter pediu para que se acalmasse, para descobrirem alguma solução. Estava preocupado com o amigo.

            - Calma, Ferguson! Assim você vai ter um ataque cardíaco! Vamos descobrir uma solução. Ou melhor, eu já tenho essa solução. Senta aí na cadeira. Vou pegar um calmante para você.

             Dr. Walter foi até a sua mesa de trabalho e pegou um calmante dentro de uma das gavetas. Apanhou um copo e encheu-o até a boca de água e deu ao amigo, junto com o comprimido.  

              Ferguson já estava sentado novamente na sua cadeira, mas com a respiração ofegante. Nervosamente pegou  o copo d’água da mão do Dr. Walter, juntamente com o comprimido. Com a mão trêmula jogou o comprimido para dentro da boca com tanta rapidez, que acabou se engasgando. Tossiu até que ele saísse voando da sua boca, atravessando toda a sala. Só foi encontra-lo no canto do cômodo, encostado à parede, pegou-o e  jogou-o novamente para dentro da boca. Com uma golada generosa de água, engoliu-o de uma só vez.

             O Dr. Walter olhava o amigo com uma cara de reprovação, pelo seu desequilíbrio e apontava uma cadeira para que ele senta-se, antes de recomeçar o relato de que tanto o angustiara por toda a semana. Tinha ficado muito preocupado, mas não desequilibrado emocionalmente como o seu colega. Esperou então que Dr. Ferguson finalmente sentasse.

            - Então Ferguson, já está acomodado? Se equilibra, homem. Tem solução para o nosso medo. Eu também tenho medo, mas não perco a compostura. O quê que é isso? Sem equilíbrio, não se resolve nada. Nem parece que já resolveu equações complicadas, aparentemente sem soluções. Você é um cientista, não é um colegial despreparado que depende de um pontinho para não perder o ano letivo. Está mais calmo?

              - Tudo bem, Walter. Acho que o medicamento já está fazendo efeito. E desculpe pelo meu desequilíbrio. Não posso esquecer de casa. Eu morrendo, tudo vai se complicar. Vai em frente.

              - O que é que está afligindo você?

              Com a pergunta, Dr. Ferguson olhou para o amigo e uma grossa lágrima desceu pelo seu rosto. Dr. Walter ficou surpreso e preocupado pelo estado emocional do amigo, mas preferiu esperar, já que estavam com tempo, para descobrir o que estava acontecendo com ele. Pelo o que percebeu não era uma boa coisa. Levantou-se, dando tempo para que ele se recompor, e foi pegar outro cafezinho cozido, que já espalhava o seu odor pela sala. Se acomodou novamente na cadeira gasta e esperou, saboreando uma coisa que não tinha um bom sabor, mas parecia que ele gostava. Depois olhou na direção da máquina de fazer café e viu que ainda estava acesa, então levantou-se novamente e foi lá desliga-la. Voltou, sentou-se e esperou, enquanto ingeria o resto de café que sujava o fundo da caneca.

             Ferguson ia voltando a sua cor normal. Já respirava mais ritmado e, aparentemente, estava sentado confortavelmente. Pegou um guardanapo que guardara no bolso do avental branco, já bem amarrotado, e passou no rosto para secar o último vestígio das lágrimas. Olhou para Dr. Walter e esse balançou a cabeça em sinal de assentimento. Dr. Fergusson, sentindo-se um pouco fortalecido, respirou fundo e tossiu levemente.

              - Desculpe mais uma vez Walter. Sabemos que o salário, mais o prêmio é uma fortuna. Essa, quando decidi em me isolar nesse lugar, que nem sabemos onde fica esse buraco, foi a proposta mais tentadora e, com certeza, ia resolver o problema da minha vida e da minha família. E você desconhece que eu tenho um filho. E é o meu único filho, e foi por ele que aceitei vir para cá. Walter, ele só tem 18 anos. Desde os noves anos de idade ele vem lutando contra um câncer. E eu sei que ele ainda está vivo, pelo tratamento que é submetido no exterior. Precisamente em Israel. É um tratamento caro, mas está dando resultado. Quando você falou que podemos morrer, entrei em pânico. Eu não posso morrer agora, enquanto o meu menino não ficar bom. Está faltando pouco para o tratamento encerrar. Se eu morrer... Quem vai cuidar do meu filho?

             - Calma, Ferguson! O que eu disse, pode ser apenas uma suspeita minha. E ainda temos dois anos pela frente. Eu não sabia sobre o seu filho, sinto muito. Mas ele deve ficar curado antes desses dois anos findarem.   

             - Eu tenho esperança. O tratamento está bem convincente. Nas poucas folgas que temos, eu acompanho de perto. Tem uma coisa que não me conformo, Walter. O que adianta eu ser um cientista e não conseguir curar o meu próprio filho?  

 ----Continua Semana que vem!