Pedro olha em volta e tenta
localizar alguma coisa que possa ser usada como ferramenta. Sai andando, mas
sem saber que direção tomar. Poucos metros à frente pára. Ouviu vozes. Eram
dois rapazes que vinham na sua direção. Ficou assustado. Não sabia o que fazer.
Pensou:
-Ai Jesus! O que estes gajos farão
comigo? Vou fechar os olhos e seja lá o que Deus quiser! Não quero nem ver!
E assim Pedro fez: fechou os olhos e
esperou. O coração só faltava sair pela boca. Não se lembrava de já ter sentido
um medo daquele tamanho. Tremia, feito vara verde. E quanto mais as vozes se
aproximavam, mais ele sofria. Naquele momento achava que ia desmaiar. Estava
quase desabando. De repente, apesar do medo, abriu um dos olhos. Ficou
aterrorizado ao ver dois corpos atravessando-o. Não conseguiu gritar, mas
arranjou pernas para sair numa tremenda disparada. Em frações de segundos já
estava do lado de João, tremendo dos pés a cabeça. O amigo tentou acalmá-lo.
-O que é isso homem? Viu algum
fantasma? A sua palidez é assustadora! Se acalme e me conte o que houve!
Respira fundo. De novo. Mais uma vez. Agora fale.
-Ó pá. Deixa-me refazer do susto. João
eu pensei que fosse ser descoberto! Ufá!”
-Fala logo! Vamos! Desembuche!
-Calma pá! Saí daqui feliz. Mas
quando cheguei defronte àquela porta... Não penses que foi fácil! Não foi
fácil! Mas consegui atravessá-la! A vida é assim... Já não me lembrava mais de
como era lá em cima. Se bem que muitas coisas foram modificadas. Mas, vamos aos
fatos! Quando estava eu a procurar alguma ferramenta, eis que surgem dois
gajos. Vinham despreocupadamente em minha direção. E adivinhas o que aconteceu?
Fiquei com os pés grudados no chão. Foi tanto medo, que quase me borrei. Sem
querer acabei fechando os olhos de pavor. Só em pensar que poderia ser
novamente jogado neste cárcere fétido, quase fui às lágrimas. Quando num
repente abri um dos olhos, o medo dobrou. Vi quando os dois passaram por dentro
de mim. Foi um atropelamento brutal. Fiquei com medo ainda, quando descobri que
eram dois fantasmas. Mas graças a Deus consegui fugir. E cá estou eu!
-Engraçado. Você ficou com medo de
fantasma? Amigo! O fantasma é você!
-Ô gajo! Já vos disse que o único
morto aqui, és tu! Os outros dois lá de cima, também são! Vocês três morreram e
não foram avisados!
-Ô Pedro! O seu português está bem
misturado, não acha?
-O que dizes tu?”
-Quero saber da ferramenta. Conseguiu?
-Mas como! Depois do episódio que
participei, não tinha como preocupar-me com ferramentas! Não achas?
-Está bem! Está bem! Mas volte lá em
cima e me arranje alguma coisa.
-Nem morto! Nem morto! Vou fugir com
o amigo pelo buraco do chão!
-Sem ferramenta não dá!
-Damos um jeito!
-Que jeito Pedro?
-Eu sei que vamos fugir daqui
juntos!
-Mas se você quiser, já pode fugir.
Você não precisa passar pelo buraco do chão. É só sair e mais nada. A hora que
você quiser.
-Aí é que tu te enganas! Para que a
liberdade bata à minha porta, eu tenho que conquistá-la, juntamente com o meu
caro amigo!
João olhou para Pedro e ficou
emocionado com a fidelidade do amigo. Enxugou a lágrima, que já começava a
descer pelo rosto, e pegou a caneca de água que estava próximo à porta, bebeu
um pouco e ofereceu ao parceiro. Depois se deu conta de que Pedro não precisava
de água. A única sede que ele tinha era de liberdade.
O trabalho recomeçou. Agora tinha que
ter cuidado com o barulho, já que a portinhola estava aberta. Por outro lado
era bom, pois tinham mais um pouquinho de luz e um pouco mais de ar. João ficou
de joelho e começou a bater no chão. Rodou por toda a cela e nada de achar o
ponto certo. Enquanto isso Pedro roía as unhas, demonstrando ansiedade. João
olhou para ele e deu a entender que ia desistir. Rapidamente o amigo interveio.
-Não! Não! Não! Não me digas que vais
desistir! Não! Não podes fazer isto! Ô gajo! Continues! Não esmoreças!
-Mas Pedro, eu já dei três voltas na
cela e nada de encontrar a tal suposta passagem, que você disse que existe! Já
estou com a mão, o braço e o ombro doendo, de tanto bater nesse chão! Está
difícil de aguentar! Vou descansar um pouquinho! Ou, quem sabe, desistir mesmo!
-Que desistir o quê, homem! Vamos
continuar trabalhando! Não temos coisa melhor no momento para fazer! Então!
Vamos trabalhar?
-Você é engraçado mesmo, hein portuga!
Vamos? Eu entendi bem? Você disse vamos? Você está sentadinho aí no centro da
cela, roendo as unhas e mais nada!
Você falou vamos, então venha me ajudar!
Você falou vamos, então venha me ajudar!
-Está bem! Está bem! Vou mostrar-te que
não estou com má vontade. Vou bater em pedra por pedra até encontrar uma que
emita um som mais oco. E lá vou eu!
Logo na primeira tentativa os dois se
assustaram. A mão de Pedro sumiu dentro da pedra. Passado o susto, João deu uma
risada, mas, tentando se conter, apontou uma solução para uma possível fuga.
-Pedro, acho que achei a solução para
a gente encontrar a saída.
-Mas como?
-Escuta só. Você pode, ao invés de
colocar a mão por dentro da pedra, enfiar o rosto no chão e procurar a bendita
passagem. Não é genial?
-Genial? Que genial o quê! Ora pois,
pois! Ô pá! Como eu vou botar a minha cara dentro da pedra? Posso ficar com
falta de ar! Não pensaste nisto?
-Que falta de ar o quê! Desde quando
alma de outro mundo fica com falta de ar?
-Já vos disse que não estou morto! O
amigo sabe que ainda não parti desta para a melhor! Ô gajo! Tu ainda não
pensaste que podemos estar sonhando? Isto tudo pode ser fruto da nossa
imaginação, de um sonho! Como disse antes, tu podes também estar morto! É ou
não é?
-Tá bom cara! Mas vamos deixar pra lá
esse papo de morto pra lá, morto pra cá! Vamos começar a trabalhar? Então,
coloca o rosto no chão e vai fazendo o reconhecimento! Mas tem colocar a cara dentro
do piso.
-Mas como farei isso, ó gajo?
Escuta-me: eu posso me sufocar!
-Caramba! Pedro, como ficar sufocado?
Você coloca a cabeça dentro da parede, desde que eu te conheço, e não acontece
nada! Colocar a cabeça no chão é a mesma coisa!
-“Está bem. Vou tentar. Mas é porque
confio em ti. Não estás querendo pregar-me nenhuma peça, não é mesmo gajo?
-Claro que não, Pedro. Somos amigos e
parceiros. Não somos?”
-Tudo bem. Lá vou eu.
Pedro se abaixa e vai, meio
temeroso, penetrando vagarosamente a cabeça no chão. Ao cabo de alguns
segundos, já está com meio corpo enterrado. Sem perceber Pedro já está com as
pernas para o alto. João não consegue travar o riso. A cena estava engraçada.
Pedro ouvindo o amigo rir retira a cabeça do chão e interpela-o:
-Qual foi à graça, gajo? Conta-me a
piada para que faça coro contigo! Estás rindo de mim?”
-Deixa
pra lá! Não é nada! Só tive vontade de rir. Deve ser a ansiedade. Me lembrei de
uma piada de português. Continua, vamos. Você estava indo muito bem.
-Piada
de português. Deixa estar. Vou contar-te uma muito boa, de brasileiro.
-Depois!
Depois! Continua meu amigo.
João bota a mão na boca para esconder o riso.
Pedro olha-o desconfiado, mas coloca a cara novamente dentro do piso e em
seguida planta bananeira. Com as pernas para cima, vai, flutuando, a procura da
tal passagem. De repente pára e fica em pé. João ansioso interpela-o:
-E
aí, achou? Achou a passagem? Achou?
-Calma!
Ainda não!
-Por
que você parou?
-Uma
curiosidade apenas.
-Curiosidade?
-Sim!
Eu estava lá embaixo solitário e lembrei-me de uma coisa: o que o amigo fazia
antes de ser preso?
-Por
que isso agora? Eu já disse que era estudante! Você parou só pra isso?
-É!
Estudante... Só isso?
-Por
que só isso? Você quer saber mais o quê? Que eu era um estudante brilhante?
Tudo bem! Eu era um estudante brilhante! Só isso, realmente! Eu era, mas não
sou mais! Ou eu achava que era! As outras pessoas também achavam. Mas cheguei à
conclusão que de nada disso adiantou. Eu já falei pra você. Todas as teorias
que eu sei, somadas com as que eu criei, não estão adiantando de nada. Estou
preso aqui nesse buraco fedorento, sem poder fazer nada. Além de depender de um
fantasma para fugir. Só isso, realmente.
-Ei!
Ó gajo! Já te disse que não sou fantasma! Fantasma é gente que já morreu! Gente
que não luta por nada! Vês tu! Estás aí abatido, derrubado! Tu pareces um
fantasma! Tu não estás a me ver? Se tu me vês, logicamente é porque não morri!
O defunto aqui és tu! E tem mais: se tu me atazanares com está alusão, de que
sou um fantasma, cruzarei meus braços! Estamos entendidos?
-Tudo
bem. Desculpe. Não está mais aqui, quem falou. Pode continuar?
-Está
bem. Ah, tem mais uma coisa! Não estou tentando localizar uma rota de fuga só
para o amigo, não! Eu estou dentro de todo e qualquer planejamento para
escafeder deste mundo fétido e repugnante! Ok?
-Ok!
Ok! Pedro, na sua época não se usava estes termos. Você faz uma embaralhada!
-Ouvi alguém falando por aí. Ou não? Mas acho que é da
minha época. Será que não? Deixa para lá! Já estou recomeçando...
-Pedro,
temos que sair o mais rápido possível, antes que os soldados voltem. Se eles
fecharem a portinhola, vamos perder esse pedacinho de claridade. Não é muito,
mas é sempre alguma coisa.
João
falava e observava o amigo, que já de cabeça pra baixo e as pernas pro ar,
vasculhava ponto por ponto da cela. Só parou depois de vasculhar todo o
cubículo. E nada de encontrar a bendita passagem subterrânea. Nada falou,
apenas balançou negativamente a cabeça. Voltou de novo para a procura, mas
desta vez o seu trajeto foi o mais encostado nas paredes. Logo depois, no
terceiro bloco de pedra, uma pedra maior e mais irregular, situada na parede da
esquerda, de quem estava de costas para a porta, no caso João, Pedro parou. Era
um granito de aproximadamente um metro quadrado. Ficou com a cabeça enterrada,
muito tempo. De vez em quando mexia com as pernas, como se estivesse pedalando
uma bicicleta. João estava visivelmente nervoso, mas tentou se segurar para não
interromper o amigo. E o tempo passava sem Pedro dar qualquer notícia. E assim
foi até João realmente não suportar mais a ansiedade e interpelar o amigo:
-Porra
Pedro! O que é que está havendo? Achou alguma coisa? Fala homem! Fala! Vou
acabar explodindo de tanto nervosismo!
Pedro
não tirou imediatamente a cabeça do chão. Esperou um pouco. Naquele momento só
se ouvia a respiração ofegante de João. Ele, lentamente, foi retirando a cabeça
que estava enterrada na pedra. Ficou em pé. Com a cara séria, olhou para João.
O amigo vendo a expressão do rosto de Pedro vestiu uma cara de decepção. Mas um
segundo depois, jogou um sorriso na cara e gritou para o amigo.
-Achei!
Achei! Ó pá! Finalmente vamos poder sonhar com a nossa liberdade!
Num repente fechou o cenho e colocando uma
entonação dramática, falou:
-Mas
temos um probleminha. De repente isso possa custar a nossa fuga. Possa
dificultar a nossa saída deste ambiente infernal. Eu temo até, que isto possa
atrasar por mais alguns anos a nossa partida.
-Mas
que probleminha é esse? Qual é o tipo de problema que pode abortar a nossa
fuga?
-Ô
pá! Sabe o que acontece? A tal passagem está exatamente debaixo desta parede. A
parte maior da pedra está do outro lado. Pela outra cela seria mais fácil. Lá
sim, seria ideal para se fugir. Mas...
-Nem
mais, nem menos!
-Eu
falei mas...
-Tá
legal. Mas por isso a gente vai ficar com os braços cruzados?
-Mas...
Ô pá. Acalma-te. Tu nem me deixas completar o pensamento, o raciocínio. Mas eu
vou tentar achar uma saída. Vou olhar na outra cela. Aguarde-me.
Imediatamente
Pedro atravessou para o outro lado. Numa fração de segundos João perdeu o
contato visual com o amigo. O tempo que ele ficou na outra cela, João não
conseguiu calcular. Mas parecia uma eternidade, para quem estava naquele
confinamento. De repente, um ponto de luz apareceu na parede. Era Pedro que
voltava. Estava sério e apresentava uma feição triste. João, vendo a expressão
tristonha e preocupada do amigo, e antes que ele falasse alguma coisa, foi
indagando:
-E
aí, não temos chance nenhuma? Não conseguiu nenhuma possibilidade da gente sair
daqui? Fala logo! Vou acabar explodindo!
-Calma.
Calma. Realmente estou triste e preocupado. Encontrei lá um homem. Nem sei se
posso chamar de homem. Na realidade é um farrapo humano. Acho que tem pouco
tempo de vida. Seria mais um braço para ajudar na nossa fuga.
-Você
está chateado porque ele não vai poder nos ajudar?
-Não!
Nada disso! Só foi um comentário!
-Então,
não temos como ajudá-lo?
-Ajudar
como? O gajo nem deu conta da minha presença! Se passarmos para o outro lado...
Talvez possamos fazer alguma coisa por ele. A fuga tem quer ser por lá mesmo.
Logo temos que dar um jeito de nos instalarmos do outro lado. Vou examinar a
parede. Já sei de antemão que pelo chão é impossível. Lá vou eu.
-Espera
aí. Pela parede? O seu amigo não disse que era pelo chão?
-É
claro que só pode ser pelo chão! Foi assim que o meu patrício disse e assim
será! Só acho que ele errou de cela ou confundi-me. Falei pela parede, pois é o
único caminho para passarmos para o outro lado. Vou examinar novamente.
Pedro
começou a olhar todos os blocos de granito rente ao chão. Depois olhou a parede
inteira. De repente parou, saiu da parede e, começando a deixar escapar uma
euforia contida, disse: - Porque é que não pensei nisso antes!
-Pensou
nisso, o quê?
-Lembrei-mede
um fato importante. O meu amigo confidenciou-me,na surdina, que em todas as
paredes que separam as celas, tem um ponto vulnerável. Ele não me disse qual
seria esse ponto, mas temos que procurar e acreditar que ele realmente existe.
-Então
temos que achar esse ponto! Vamos procurar!
-Calma.
Ele me disse que não seria fácil remover a pedra, visto que ela não fica rente
ao chão. Pois, segundo ele, seria muito fácil para ser descoberta. Se a
informação vazasse, logicamente eles viriam investigar e achariam com
facilidade. Quem poderia imaginar uma coisa dessa no alto? Só maluco mesmo para
tentar tirar uma pedra desse tamanho, com um peso descomunal, não achas?
-Talvez!
Talvez sim, talvez não! Quem sabe?
-Talvez?
Por que talvez? Agora me intrigastes!
-De
repente não está tão difícil assim. O cara que colocou a tal pedra, com
certeza, estava prevendo que poderia um dia ser preso, certo?
-Certo.
Foi com essa intenção que o gajo fez isso.
-Então,
ele não seria burro de colocar uma pedra que não tivesse forças para, sozinho,
remover. Concorda comigo?
-Faz
sentido. Faz sentido. Até que o gajo não é burro! Gostei do rumo da prosa! Mas
tem um pequeno problema:
-Que
problema? Qual é o problema?
-Observastes
que os tamanhos dos blocos de pedras, são praticamente iguais? Elas têm
aproximadamente um metro quadrado cada uma. Têm até umas que fogem um pouco do
tamanho. São um pouco menores.
-Eu
sei. Já olhei todas. Mas deve ter alguma coisa diferente em alguma delas. Mesmo
desse tamanho fica difícil a gente empurrá-las, caso alguma não esteja bem
grudada. Mas tem que ter um jeito. O cara não ia fazer uma coisa que ele não
pudesse tirar depois, em caso de necessidade. Pedro, dá mais uma olhada nessas
pedras.
-Tudo
bem. Deixa comigo. Se tiver alguma pedra que possa ser solta, deve estar na
altura do meu peito, não achas?
-É,
pode ser. Mãos à obra!
-Tem
um fato interessante que não mencionei. Eu acho que o amigo não observou. Têm
algumas pedras que de um lado são mais estreitas que do outro.
-Essa
diferença é para poder encaixar melhor. Todas devem ser assim.
-Foi
uma colocação sem importância, não foi? O importante é que o amigo vai poder
passar por qualquer buraco que surgir. Também com uma magreza dessas o gajo
passa até por um buraco de agulha.
-Muito
engraçadinho, né seu portuga? Ainda encontra tempo para fazer gracinha. Vamos
trabalhar que é melhor.
-Ora
pois, pois!O gajo ficou aborrecido! Tenho até que rir um pouquinho!
-Ria!
Ria! Mas vai trabalhando!
-Agora
falando sério. Não gosto quando tu me chamas de portuga.
-Ficaste
ofendido? Está bem, não chamarei mais. Agora, vamos ao trabalho?
Continua semana que vem...