O SOCIALISTA BURGUÊS
- ATACA DE MOTOCA -
José Timotheo
Não sei se eu devo-me encucar com o comportamento do meu amigo, o socialista burguês. Eu tento achar que ele é um cara excêntrico. E um sujeito extremamente boa cuca. Porém posso até concordar com algumas pessoas, que dizem que ele é um tipo fanático. Entretanto têm outros que o acham um lunático. Eu quero acha-lo apenas um excêntrico contestador. Pode até ser uma pessoa fanática. Maluco, lunático, não. Um cara que sempre dá o contra, é certo. Já nasceu assim. Certa feita estava eu mirando o por do sol. Sentado numa cadeira, bem próximo da água do mar, bebia com satisfação o arrebol. Questionava, abraçado a liberdade, o porquê do nada. Tentava jogar números, até o dia do sol se apagar. Há quantos bilhões de anos ainda estará ele vivo? Enquanto divagava, eis que sou sacudido à realidade. Quase morro de susto ou atropelado. Isso mesmo, atropelado em plena areia da praia. Acho que seria o primeiro caso de atropelamento, quase dentro d’água, por uma moto. Por lancha, jet ski tem vários casos. Por moto, nunca soube. Não sei como ele conseguiu chegar até ali. Nem ele conseguiu me dizer, posteriormente, como tinha chegado até a beira do mar. E pra complicar o fato, - pasmem! - ele estava lendo. O que lia, não deu pra eu saber. Como conheço a peça, imagino que seja alguma coisa, tipo “Manual de guerrilha urbana”, “A cartilha de Che Guevara”, “O bê-á-bá de Mao”, “Como fazer o país crescer ou cair no buraco, do PT” e mais uma porção de coisas do gênero.
Ele ia e vinha ziguezagueando pela areia. Dirigia a moto, apenas com uma das mãos. Com a outra mão, lia alguma coisa que não sei até hoje o que era. Como pilotava? Acho que era com os pés. Não tenho certeza. Era coisa de artista circense. Antes de parar, fez inúmeras peripécias. Contei umas dez, num quase mergulho acrobático. Nesses momentos não sei onde colocou o livro. De repente caiu no mar. Sinceramente estava muito assustado para me preocupar com o destino do livro. Max que se ferrasse! E o cara não parava de fazer presepagens. Naquele instante, acabei torcendo para que ele se estabacasse na areia. Só assim seria uma forma d’ele voltar à realidade. Com ele, às vezes só tratamento de choque. Mas eis que de repente ele para. Pisando no freio com brutalidade, empinou a moto, girou-a na roda traseira e pulou, caindo em pé na minha frente. Foi caindo e falando:
- Ô cara! Saudações masoquistas!
Pensei: - mais uma vez ele se equivocou. Está querendo dizer saudações Maxistas. Estou cansado de saber, nem me assusto mais, que de vez em quando ele se confunde. Isso só pode ser excesso de conhecimento. Ainda meio assustado, dei um sorriso amarelo e um alô. Ele me olhou de cima até embaixo. Sorriu e foi querendo saber logo, se eu estava ali fugindo do mundo. Logo, fugindo das questões sociais. E, por conseguinte, fugindo dos interesses do povo. Em poucas palavras, expliquei que não estava fugindo do mundo e, sim, meditando. E – continuei – para conseguir me desligar um pouco dos problemas do dia-a-dia e entender o mundo que nos cerca, questionava o porquê do nada. A princípio me olhou com um ar de espanto. Sacudiu o cabelo com uma das mãos, mas ainda mantendo o silêncio, coisa que era difícil pra ele. Ficar mudo é um uma missão quase que impossível. Um tipo de pessoa que consegue manter um diálogo com sigo mesmo é por que fala pelos cotovelos. É ou não é? De repente levantou o dedo em riste, pulou em cima da moto, acelerou e, empinando a dianteira, girou novamente a moto na roda traseira. Rodopiou algumas vezes. Em fração de segundos, parou a moto de frente pra mim. Deu um sorriso misto de deboche e pena, e disse:
- Ô cara! Ô cara! Você me surpreende! Você não sabe que o nada não tem nada? Você tem que olhar o tudo! O tudo é que tem tudo! E o Max, é o tudo! Ele que é importante! Suas teorias são revolucionárias! Lembra quando ele botou o ovo em pé? Lembra quando ele descobriu a lei da relatividade? Ou será gravidade? Lembra não? Se liga, cara! Tens que pensar mais nas causas populares!
Eu olhava para ele e não conseguia me reestruturar depois daquela miscelânea cultural. Já que eu não falava nada, ele manobrou a moto, isso rapidamente, sentou-se de costas para o guidão e saiu em disparada. A vinte metros à frente, ao frear a moto, voou espetacularmente por cima do guidão. Num mergulho sensacional, esfregou o peito na areia e se vestiu de uma espuma amarelada, que a onda do mar deixou ao estourar na beira da praia. Vi a cena e não tive reação. Parado eu estava, parado continuei. Com a rapidez que ele caiu, se levantou. Do jeito que estava cheio de areia e espuma, ficou irreconhecível. Depois de constatar que ele estava bem, disfarcei e ri, com o rosto virado para o outro lado. Rapidamente quando dei conta, ele já estava do meu lado. Me olhou nos olhos e falou:
- Cara. Olha essa espuma. Acho que descobri de onde vem à espuma do champanhe. Com certeza não foi do Afeganistão. Foi daqui de Niterói, mesmo. Eu só não sei como eles tiram o sal dela. Prova só. É sal puro.
Terminou de falar, repetiu o olhar anterior, misturado com um sorriso de falsa modéstia, e saiu em disparada. Não sei como ele subiu tão rápido em cima da moto. Só não cantou o pneu, porque estava na areia molhada. Mas em compensação me deu um banho de areia. Passei a mão no rosto e tentei tirar o que pude dos olhos. Depois fui até a água e lavei o rosto. Olhei para ver se via o cara, mas nem sinal dele. Voltei e sentei no mesmo lugar para ver o por do sol. Só que à tarde já ia embora e eu não tinha mais por do sol para mirar. E muito menos arrebol para me embriagar. Fiquei olhando para não sei o quê, com cara de babaca e com um nó na cuca.