terça-feira, 30 de outubro de 2018

A História de Helô - Parte 4

Continuando...

Algumas irmãs já tinham notado a predileção do padre Arcanjo pela menina Amélia. Uma das irmãs, de nome Maria do Rosário, de idade avançada, observou algumas vezes ele acariciando Amélia e comunicou à madre sobre esses exageros do padre, entretanto a madre desconversava, dizendo:
           - Oh irmã, o padre Arcanjo é um anjo! A menina Amélia é como se fosse mais uma filha! Mais uma filha em Jesus!  Vai com a paz de Deus, irmã!
           E assim despachava a irmã, antes que ela fizesse mais algum comentário.
           Quase todas as irmãs comentavam, apenas entre elas, sobre as visitas a portas fechadas do misterioso senhor, do padre Arcanjo e dos seus amigos, mas ninguém tinha coragem de fazer qualquer tipo de comentário com a madre superiora. Quase todas tinham muito medo dela. Apenas uma das irmãs, de nome Socorro, que era tida como um “detetive de hábito”, disse que iria investigar aqueles misteriosos encontros e tentar descobrir o nome do tal senhor.  Alguns meses atrás, ela já tinha descoberto que a madre era de origem francesa, só não conseguiu ouvir o seu nome verdadeiro. Com o seu ouvido atrás das portas, ouvia sempre algum segredo. Ouvia e espalhava para as outras irmãs.
           Realmente os traços da madre e o seu jeito de falar lembravam bem alguém de origem francesa. Essa suspeita aumentava com um leve sotaque, mas que ela tentava esconder.  Era uma mulher bonita, os traços fisionômicos eram suaves, um par de olhos azul celeste brilhantes e misteriosos.  A sua idade ninguém sabia ao certo pois além dela não falar ninguém tinha coragem de perguntar. Nem mesmo para a irmã Celeste, a sua aliada mais próxima, ela revelou. Parecia uma loteria entre as irmãs. As apostas eram sigilosas, mas deviam ser santinhos. As opiniões variavam, iam de 35 anos a 50 anos. As que arriscavam próximo dos 50 deviam ser míopes pois, com uma pele do rosto que parecia maçãs, a madre estava mais para os trinta anos. Mas na verdade não poderia, pois já estava ali há vinte anos.
           Algumas irmãs mais antigas, secretamente, questionavam o fato de uma irmã tão nova ser a madre superiora. Elas sempre achavam estranho o fato dela ter chegado de repente e assumido o posto vago pela morte da irmã Maria Dulce. Ela chegou primeiro que o comunicado da sua indicação. Esse tempo todo ali foi sempre só de mistérios. Quase ninguém sabia dos movimentos da madre. Pouquíssimas irmãs tinham acesso direto a ela. Com a sua chegada, poucos dias depois, apareceram um padre sorridente e brincalhão de nome Arcanjo e um senhor sisudo, que ninguém sabia o nome. Em todos esses anos, era apenas conhecido como paizinho.
          Uma manhã ensolarada trouxe a irmã Socorro sorridente. Chegou saltitante, quase não conseguindo segurar a língua na boca e chamou as irmãs, que naquele momento pegavam um pouco de sol no jardim, para uma conversa debaixo de um frondoso pé de flamboyant. As irmãs, em número de oito, ansiosas deslocaram-se rapidamente ao encontro da irmã Socorro, que já estava do outro lado do jardim à sombra da árvore.  Elas sabiam, quando isso acontecia, que vinha alguma revelação. Rapidamente uma irmã, de nome Dóroth, foi logo indagando sobre as investigações.
         - Socorro, fala! Descobriu alguma coisa? Conta pra gente!
         Como era do seu jeito, antes de falar alguma coisa fez um suspense. Sorriu levemente, levantou e abaixou as sobrancelhas, pegou a irmã pelo braço e puxou-a para próximo de si, depois mandou que as outras se aproximassem mais. Quando estavam todas ao seu redor, falou:
          - Já descobri alguma coisa sim.
            Falou e ficou em silêncio olhando as amigas, como sempre acontecia, para chamar atenção. Sabia que a curiosidade delas era infinita. Sempre alguém, e esse alguém era sempre a irmã Louise, parecia a mais ansiosa do grupo, pois na realidade era a fofoqueira mor só perdendo para a irmã Socorro. Com a pausa ela perguntou:
          - O que foi, Socorro? O que foi?
          - Calma! Já vou contar tudo. Fiquei na espreita. Quando o senhor entrou, rapidamente colei a orelha na porta. Aí fiquei preocupada por alguém me encontrar ali. Dei a volta e fui até a janela que fica do outro lado.
        - Eu sei! Eu sei! – interrompeu a irmã Louise, ansiosa.
        -Calma! Posso continuar? Irmã, vê se não me interrompe! -Continuando... fiquei ali uma porção de tempo. Pouca coisa eu escutei, essa é a verdade. Mas... ( fez uma pequena pausa) escutei alguma coisa. E acho que foi importante. Não descobri o nome do senhor, mas descobri o que ele é. Escutei a madre chamá-lo de senador.
         - É mesmo? É mesmo, irmã Socorro? – perguntou, com cara de espanto, a irmã Angelina.
           As irmãs continuaram no mesmo lugar, conversando à boca miúda. De vez em quando um riso contido era ouvido. O assunto devia ser outro, já que a irmã Socorro pouco descobriu nas suas investigações. Enquanto conversavam, não perceberam que eram vigiadas. Do outro lado da alameda um par de olhos azuis estava na espreita. Como sempre, a madre superiora desconfiava de qualquer ajuntamento. E essa reunião, em particular, deixou-a com uma pulga atrás da orelha, tanto que, após o almoço, mandou chamar a irmã Angelina ao seu gabinete. O chamado causou curiosidade nas outras irmãs, principalmente as do grupo que tinha se reunido no jardim, já que eram as irmãs que andavam sempre juntas. Socorro ficou ensimesmada. As amigas ficaram curiosas com aquele silêncio. Doroth não resistiu e perguntou:
          - Socorro, o que é que você está pensando?
          - Eu estou pensando... Estou achando isso muito estranho. Ela mandar Angelina ir até o seu escritório. Pra quê, né? A não ser que tenha visto a gente conversando. Pode ser, já que ela não pode ver mais de duas pessoas juntas e logo logo quer saber do assunto. Isso é coisa de gente doida, vocês não acham? Penso que ela pensa que pode ser conspiração! Que todo mundo está tramando contra ela! Eu sempre achei essa madre estranha. Isso foi imediato. Desde o dia em que botei os meus olhos em cima dela, achei-a suspeita de alguma coisa, mas nós não estamos tramando nada contra ela. Estamos só querendo saber de algumas coisas. Isso não é pecado, ou é?  Deixa isso pra lá. Vamos esperar por Angelina. Ela vai esclarecer tudo.
...................Continua semana que vem!

terça-feira, 23 de outubro de 2018

A História de Helô - Parte 3

Continuando....

A menina estava cabisbaixa. Entrou na sala de aula sem falar com ninguém. Entrou muda e saiu calada. Ficou num canto onde a professora pouco a via. Terminada a aula, já estava praticamente na porta para sair da sala, mal cruzou o portal e a irmã Gertrudes pegou-a pelo braço e levou-a para um dos bancos que circundavam o jardim. Helô deixou-se levar sem nenhuma contestação e não fez nenhum questionamento também.  
          A irmã Amélia viu quando as duas se sentaram. Procurou ficar o mais escondida possível. Primeiro porque, já que estava proibida de ver a menina, tinha que se precaver contra as punições impostas pela madre e, segundo, para manter a segurança da própria menina pois tinha medo que a madre não cumprisse mais as promessas que fizera, mas a saudade que sentia da menina às vezes levava-a àquele risco.
         Naquela semana, não soube o porquê mas mais uma vez fora afastada da menina e isso acontecia muitas vezes durante o ano. Nunca soube a causa, mas parecia uma punição. Punição do quê? Sabia que não tinha feito nada de errado. - Será que era pelo amor que sentia pela menina? – se perguntava. Os seus segredos estavam fechados no seu coração e em hipótese alguma revelaria nada a menina, mesmo porque se contasse alguma coisa Helô correria perigo de vida. Mas em algum dia desses tudo isso ia mudar. Essa era a promessa que se fazia diariamente. 
       Já tinha mais de uma semana que não via Helô. A saudade era muita. Naquele dia não resistiu e arriscou vê-la novamente, mas de longe. Ela sofria e a menina também. O único alento era que a madre designava a irmã Gertrudes para tomar conta de Helô e isso a deixava mais tranquila, pois sabia das suas qualidades morais, além de ser a sua melhor amiga.
           A irmã Amélia, como Helô, fora criada no convento desde muito pequenina. A sua origem era obscura. Tentou, mas nunca descobriu de onde tinha vindo. - Quem eram os seus pais biológicos? Quando perguntava à irmã sobre a sua origem, ela simplesmente dizia que não sabia. Tinha chegado ali quase recém-nascida. Parece que foi achada no portão do convento, mas alguma coisa buzinava no seu ouvido dizendo que aquilo não era verdade. Desconfiava que a madre soubesse do seu passado, mas ela insistia em dizer que ignorava a sua origem. Quando a madre chegou já encontrou a menina ali, todavia sobre a vida dos internos ela deveria saber. - Algum documento deve existir. - pensava Amélia. Um dia ainda ia provar que a madre escondia a sua procedência. Por enquanto ainda não podia provar, mas um dia a sua história viria à tona. Só que a madre, quando percebeu que Amélia estava muito determinada em descobrir a sua origem, ameaçou jogá-la ao relento.  Com medo, a menina estancou a sua curiosidade e procurou não mais externar o assunto. Como não tinha outro jeito, tentou esquecer ou pelo menos fingir que tinha esquecido e procurou seguir todas as normas do convento, cumprindo sempre tudo que era determinado pela madre sem nenhum questionamento. Transformou-se numa pessoa querida por todos: das suas coleguinhas também órfãs e até das religiosas. 
Amélia, ainda muito novinha, demonstrou interesse, quando chegasse aos dezoito anos - ela já sabia que era o limite para permanecer ali - em seguir o caminho religioso. Isso gritava no seu interior como sendo uma forma de permanecer protegida. Um teto para morar pelo resto da vida era o que importava. Talvez não tivesse vocação, mas isso não queria dizer nada. Já tinha observado que a maioria das irmãs estava longe de ter algum tipo de afinidade com as palavras de Jesus, mas mesmo assim usavam um hábito e se diziam religiosas. Por que ela não poderia também se esconder por debaixo daquela vestimenta? Ali estava talvez a única forma de continuar abrigada.  Tinha medo sim de encarar uma vida fora dali. Um mundo desconhecido não estava nos seus planos. Ficar ali era uma forma de resguardar-se do mundo exterior de que ela tanto ouvia falar mal e, aos dezoito anos, começou a sua vida religiosa.
          Enquanto observava Helô, Amélia pensou na madre. O medo que sentia por essa criatura era inimaginável, tremia só em ouvir a sua voz. Esse medo acompanhou-a por toda a sua vida e por isso foi se tornando uma pessoa extremamente triste. A sua alegria só se aproximava quando estava ao lado de Helô, pois essa era a sua única razão de viver. A sua única amiga, a irmã Gertrudes, tentou várias vezes saber a causa de tanta dor, mas ela desconversava. A amiga, que estava desde pequena com ela, sabia que essa tristeza tinha começado a partir dos quinze anos. Ela sempre estranhou esse comportamento de Amélia. Depois de ficar um ano fora do convento em tratamento médico, segundo informação da madre, voltou completamente mudada. 
           A beleza da menina chamava a atenção de todos, a sua alegria era contagiante. Morena clara, de olhos verdes, com quinze anos de idade já despertava sensualidade. Mesmo vestida dos pés a cabeça, os visitantes não conseguiam deixar de notar os seus dotes físicos. Principalmente um dentre os senhores deixava claro o seu desejo pela menina. Desde o momento que Amélia começou a ser tornar moça, esse senhor, que vinha mensalmente trazendo caixas de alimentos e, diziam à boca miúda, entregava vultosa soma em dinheiro à madre superiora, não conseguiu esconder a sua paixão. Ainda tinha outro senhor de nome Arcanjo, que era um padre quarentão, que também deixou claro a sua predileção por Amélia. Ela então procurava sumir da sua vista antes que ele se aproximasse, entretanto não adiantava de quase nada essa fuga, pois não demorava muito e lá estava a madre a convocá-la para uma visita à sua sala com o propósito de se confessar com o padre Arcanjo. Fazendo um adendo, esses senhores nunca vinham sozinhos, estavam sempre  acompanhados de no mínimo mais três.
          A madre, o misterioso senhor e o padre não precisavam esconder que eram grandes amigos e, pelo jeito, amigos de longa data. A intimidade entre eles não deixava nenhuma dúvida. Todos sabiam, entretanto ninguém ousava fazer qualquer comentário, tendo em vista que logo que eles chegavam os três sumiam da vista de todos, mas não ficavam completamente a sós por muito tempo. No máximo uma hora depois algumas internas eram chamadas pela madre e por lá ficavam por horas. Normalmente, quando uma dessas internas voltava a sua alegria não a acompanhava.  Poucas conseguiam voltar a sorrir. O que acontecia por lá, ninguém nunca ficou sabendo. Nenhuma delas se arriscava a comentar o ocorrido entre aquelas quatro paredes.  Algumas, meses depois, sumiam por um tempo longo, outras nem voltavam. A justificativa era que tinham ido se tratar e as que não voltavam caíam no esquecimento.  
........................Continua semana que vem.

quinta-feira, 18 de outubro de 2018

terça-feira, 16 de outubro de 2018

A História de Helô - 2ª Parte

Continuando...
Aquele dia ela passou calada, porém pensativa. No dia seguinte, mal
o galo cantou, ela já estava de pé, foi a primeira a se levantar. O sono não
veio e a cabeça estava mergulhada em dúvidas, não sabia se deveria falar
com alguém sobre a sua descoberta. Pesou os prós e os contras, pensou
no problema sério que poderia arranjar para si mesma já que entrou
numa região proibida. Seria punida com certeza, entretanto tinha uma
saída: falar apenas com a irmã Amélia. Sorriu e achou isso o mais certo a
ser feito, porém alguma coisa soprou na sua orelha dizendo que não
deveria. Imediatamente escondeu o sorriso, olhou em volta desconfiada e
assustada. - Será que estava sonhando? – pensou. Foi até o banheiro e
lavou o rosto, penteou os cabelos e escovou os dentes. Sentiu que alguém
sussurrava no seu ouvido, mas não dava para entender direito o que era,
estava ficando mais assustada ainda. Pensou em chamar pelas colegas,
mas a voz se fez mais clara:
- Não faça isso, Helô! Não acorde ninguém e guarde esse segredo só
para você, tranque-o a sete chaves no seu coração.
A menina ficou com os olhos esbugalhados, o medo era visível. Não
conseguia se mexer, parecia que os pés estavam colados no piso do
banheiro mas, depois de alguns minutos, os seus movimentos foram
voltando. Engoliu em seco, olhou por todo o banheiro, procurou atrás da
porta... procurou, mas não achou nada. Pensou que poderia ser coisa da
sua cabeça. - Isso é coisa criada pelo medo. – disse para si. Saiu do
banheiro e foi até a janela que ficava atrás da sua cama, abriu-a e ficou
olhando para o pomar. Uma brisa fresca passou pelo seu rosto, sentiu-se
mais leve, porém a voz novamente falou ao seu ouvido, sussurrando o seu
nome:
- Helô! Helô! Fale comigo, mas não grite.
Ela ficou feito uma estátua. O olhar estava assustado e o corpo
rígido. Torceu o pescoço de um lado para o outro, parecendo que
procurava alguém. A voz então falou novamente:
- Helô, não fale para ninguém sobre a gruta. Fale comigo.
A menina não sabia o que fazer, mas de repente uma força foi
tomando conta dela até que verbalizou:
- Não sei quem está falando mas vou dizer uma coisa: vou falar com
a irmã Amélia, que é como se fosse minha mãe, e com a irmã Gertrudes,
que é como se fosse a minha segunda mãe. Vou falar com elas.
De repente a voz disse um NÃO tão alto, na sua orelha esquerda,
que Helô ficou tão apavorada que pulou a janela e saiu correndo pelo
corredor que margeava o convento. Mais uma vez encontrou a irmã
Gertrudes, uma mulher de meia idade, cara redonda, avermelhada, olhos
azul celeste, bem gordinha e parecia que estava à sua espera. Apenas
abriu os braços, enlaçou-a e com um sorriso nos lábios, repreendeu-a:
- Helô! Helô! Correndo de novo? Tão cedo e já estás a correr
desembestada! Minha menina, não vais chegar com atraso na aula. A irmã
Amélia está preocupada. Tem perguntado por ti. O que houve que não
brincaste com as meninas ontem?
Helô meio ofegante tentou falar alguma coisa, mas a voz recusou-se
a sair. A irmã carinhosamente abraçou-a, beijou-lhe as faces e disse:
- Vai tomar o café e depois para a sala de aula. Mais tarde
conversamos.
A menina baixou a cabeça e permaneceu calada, também não sabia
o que dizer. Como falar que ouviu vozes? Não levantou a cabeça até se
afastar da irmã e não foi para o refeitório, voltando para o alojamento.
Mal entrou e encontrou todas as amigas já de pé, pegou o seu material
escolar em silêncio e foi para o refeitório tomar o café da manhã.
O dia correu e Helô, para preocupação das irmãs Amélia e Gertrudes,
passou o dia muda. Parecia que tinha feito votos de silêncio. Nem, como
era de costume, foi brincar com as outras meninas. Escolheu um banco próximo ao jardim e se isolou de todos. Ficou ali em estado de meditação.
Nem a sua melhor amiga, Sofia, conseguiu removê-la de suas cismas.
O horário do almoço se aproximava e Helô continuava imóvel. As suas
colegas já estavam indo em direção ao refeitório mas ela não dava sinais
de que ia se levantar. A irmã Gertrudes observava-a de longe. – O que
estaria acontecendo com a sua menina? – pensava. Olhou para o relógio e
viu que o tempo estava curto para o início do almoço, a madre não
admitia atraso. Com certeza seria castigada. O pátio já estava vazio,
somente Helô permanecia ali com as mãos no queixo, os cotovelos
apoiados nas coxas e os olhos perdidos no nada. A irmã não resistiu e se
aproximou. Postou-se à sua frente, passou a mão nos seus cabelos e disse:
- Helô, o que houve? As suas colegas já lavaram as mãos e se dirigem
para o refeitório.
Ela levantou a cabeça e pousou os olhos nos olhos da irmã
Gertrudes, deixando escapar um leve sorriso. Foi um sorriso morno, sem
expressão, triste, verdadeiramente dorido. A irmã sentiu a tristeza
abraçada com a menina. Pegou as suas mãos, que apoiavam o queixo, e
puxou-a até que ela se levantasse. Com ela já erguida, abraçou-a e em
seguida perguntou-lhe docemente:
- Meu anjo, o que é que está acontecendo com esse teu
coraçãozinho? Andaste a manhã todinha acompanhada da tristeza. Agora
não temos tempo para conversas, mas após o almoço continuaremos com
a nossa prosa, certo?
Helô não respondeu, mas balançou a cabeça concordando com a
irmã. Em seguida saíram as duas em direção ao refeitório. Como o tempo
para início do almoço estava expirando, a irmã sugeriu que ela não lavasse
as mãos. Não deveriam dar motivos à madre para alguma reprimenda.
Helô quase não mexeu na comida, o prato ficou quase intacto. Três
garfadas foi o máximo que conseguiu. Bebeu apenas uma caneca cheia de
suco de amora, que era a sua fruta favorita, colhida no pomar do
convento. Depois se dirigiu para o alojamento, no setor onde ficavam as
crianças até dez anos, escovou os dentes e pegou o material para a aula
de canto, que começaria às 14 horas, com a irmã Maria das Dores.
...................Continua semana que vem!.

quarta-feira, 10 de outubro de 2018

A História de Helô - 1ª Parte

A HISTÓRIA DE HELÔ
- José Timotheo -

O relógio de parede, do século 19, dava a sua décima badalada. Helô
virou-se para confirmar a hora, mesmo sabendo que estava certa: dez
horas. Depois voltou a olhar pela janela, ansiosa. Esfregou as mãos várias
vezes nervosamente e, em seguida, alisou as suas tranças. Com um dos
pés, empurrou a pequena maleta que estava encostada na parede. Parecia
que esperava alguém entrar pelo grande portão que dava acesso à
propriedade. Quem ela esperava?
Faltava um dia para Helô completar dezoito anos, mas ainda era uma
menina. Mantinha acesa a chama infantil, entretanto, com a aparente
meninice, era um espírito determinado e forte.
Desde recém-nascida esteve sob os cuidados das irmãs de caridade,
naquele convento. Foi parar ali pelas mãos da irmã Amélia, que havia
estado na capital do Estado de São Paulo, por quase um ano, para
tratamento de saúde e, de lá, voltou com Heloisa Helena, Helô, com dois
meses de nascida. O orfanato ganhava mais uma moradora.
Até o dia que completou dez anos, Helô teve uma vida que podemos
chamar de normal. Era uma criança sorridente, educadíssima, generosa. O
que tinha bastava para a sua felicidade. Foi então que, uns dias após
completar dez anos, a sua vida começou a mudar.
Sempre obediente, nunca passou pela sua cabeça transgredir
qualquer ordem. Frequentadora assídua do pomar sabia que não poderia
ultrapassar o seu limite, mas de repente olhou para a mata e alguma coisa
surgiu dentro da sua cabeça, mandando-a investigar o que tinha por
detrás daquela cortina de árvores. A coisa era tão forte que sonhava
constantemente.
Helô foi percebendo que a vontade de ir ao pomar era cada vez
mais crescente. Um belo dia em que estava com duas colegas, dentro da
sua cabeça alguém ou alguma coisa disse para descobrir o que aquela
mata escondia e, sem mais nem menos, ela jurou que ia fazer aquilo,
mesmo sabendo de antemão que ia ser uma missão muito difícil. E mais
alguma coisa brotou em seguida, dizendo que tudo teria de ser mantido
em segredo. Este e os outros pensamentos ela não soube como caíram
dentro da sua cabeça, então conversou com os seus botões: - Meu Deus!
Meu Deus! Quem falou dentro da minha cabeça? E eu prometi, ainda, que
ia fazer aquilo. Aquilo o quê? Que segredo é esse?
Ficou em silêncio, pensativa, depois deu um leve sorriso e concluiu:
- Pensamento é assim mesmo, aparece do nada! Não vou ficar encucada!
Continuou brincando com as amigas, que nem perceberam o que
andava na sua imaginação.
As idas e vindas ao pomar só aumentavam a curiosidade da menina.
Intuitivamente, vislumbrava um tesouro enterrado no interior da mata,
mas essa fantasia era interrompida quando ecoava dentro da sua cabeça
que não era nenhum tesouro. Ela olhava em volta para ver se alguém
tinha falado. Achava estranho aquilo e tentava parar de pensar.
O pomar ficava dentro de uma área de aproximadamente três mil
metros quadrados, e uma variedade de árvores frutíferas compunha todo
esse espaço. Cercando esse terreno, uma mata fechada se postava como
uma muralha, parecendo uma sentinela protegendo aquele mundo verde
de intrusos. As crianças sempre ouviam que ali moravam animais ferozes
e bruxas comedoras de crianças. O medo já estava enraizado em todas
elas, nem mesmo as noviças e freiras se arriscavam a tal aventura, mas
Helô, desde pequenininha, era tida como destemida e quase nada a
assustava, só a madre lhe causava arrepios. Parece que era a única coisa
que realmente a deixava com medo, entretanto ela conseguiu conviver
com esse fantasma até completar dezoito anos.
Naqueles dez anos era a única que sempre se aproximava da mata,
mas nunca tentou entrar, sempre respeitou as proibições. As outras
crianças mantinham-se bem afastadas daquele suposto perigo e gritavam
para que ela voltasse. Meio contrariada, acabava atendendo ao
chamamento das colegas e voltava, mas aborrecida com as amigas. Dizia
que não via nenhum bicho e muito menos bruxas canibais.
Foram alguns anos até quase encostar-se às árvores, mas acabou
deixando de lado as proibições e entrou. Aproveitou um dia em que as
amigas não quiseram ir brincar no pomar, pois era uma manhã friorenta,
e, como era uma pessoa destemida, resolveu ir sozinha. Mal entrou no
pomar os seus olhos se grudaram na mata e, de repente, quando
percebeu, já estava dentro daquele mundo proibido. Parecia que um
imenso imã a tinha arrastado até ali. Olhou tudo em volta, procurando os
animais perigosos e as bruxas, mas graças a Deus não viu nada, pelo
contrário, encontrou um local com árvores floridas e pássaros que ainda
não tinha visto. Distraída com tudo, foi andando e ficando maravilhada
com o que via. De repente uma grande pedra interrompeu a sua
caminhada. Resolveu então contorná-la e ao passar para o outro lado
deparou-se com uma gruta. A entrada não estava completamente livre,
uma vegetação rala pendurava-se ali. Helô então, mesmo receosa, meteu
as mãos entre as plantas afastando-as e olhou para o interior, mas quase
nada conseguiu ver. A escuridão tomava conta do ambiente, mesmo
assim, quando deu por si já estava dentro da gruta e, como entrou, saiu. O
coração, quase na boca, batia descompassado. Se perguntada, não saberia
dizer como entrou e como saiu de lá. O medo era evidente mas, como a
curiosidade batia mais forte, meteu a mão na vegetação pendurada e foi
arrancando. Quando a entrada ficou liberada, com alguma claridade já
invadindo o interior, respirou fundo e foi entrando mas cautelosamente.
Andou alguns metros, parou e observou onde estava pisando e também as
laterais. O piso era uma laje rochosa e as paredes eram revestidas de
mármore que devia ser branco, pois a falta de iluminação prejudicava a
identificação, além da poeira acumulada, claro. De onde ela estava não
dava para ver o que havia à sua frente, era uma escuridão só. Pensou em
continuar, deu mais alguns passos mas parou. Observou que estava
descendo uma rampa e parecia que se continuasse iria para um fosso.
Ficou receosa e recuou. – E se caísse num buraco profundo? - questionou.
Resolveu então voltar no dia seguinte com uma vela. Pensou e saiu quase
que voando, só parou quando foi barrada, ao aproximar-se do prédio do
convento, pela irmã Gertrudes que a pegou pelo braço e falou:
- O que foi que houve, Helô? Que correria é essa?
- Nada irmã! Nada! Só estava brincando. – respondeu ofegante.
- Tu pareces assustada – disse a irmã, meio risonha.
- Não, irmã, só estou meio cansada de correr por aí! – justificou-se a
menina, mas já se livrando da mão da irmã.
   -------------- Continua Semana que vem...

terça-feira, 2 de outubro de 2018

Pensamento de Poeta - Voa Cássia



VOA CÁSSIA 
- José Timotheo -

A luz está acesa
Na constelação Brasil
Sua música transcende
Acende a alma da gente
Melodia sideral
Ave livre a sonhar
Saudade embalando canção
Esperança solta no ar
Entra no meu coração
Voa Cássia, voa
Voa Cássia, voa
Quem ficou por aqui
Continua dentro do sonho
Quem está com você
Nunca fica tristonho       
Voa Cássia, voa
Voa Cássia, voa