Algumas irmãs já tinham notado a predileção do
padre Arcanjo pela menina Amélia. Uma das irmãs, de nome Maria do Rosário, de
idade avançada, observou algumas vezes ele acariciando Amélia e comunicou à
madre sobre esses exageros do padre, entretanto a madre desconversava, dizendo:
- Oh irmã, o padre Arcanjo é um anjo! A menina Amélia é como se fosse mais
uma filha! Mais uma filha em Jesus! Vai
com a paz de Deus, irmã!
E assim despachava a irmã, antes que ela fizesse mais algum comentário.
Quase todas as irmãs comentavam, apenas entre elas, sobre as visitas a
portas fechadas do misterioso senhor, do padre Arcanjo e dos seus amigos, mas
ninguém tinha coragem de fazer qualquer tipo de comentário com a madre
superiora. Quase todas tinham muito medo dela. Apenas uma das irmãs, de nome
Socorro, que era tida como um “detetive de hábito”, disse que iria investigar
aqueles misteriosos encontros e tentar descobrir o nome do tal senhor. Alguns meses atrás, ela já tinha descoberto
que a madre era de origem francesa, só não conseguiu ouvir o seu nome
verdadeiro. Com o seu ouvido atrás das portas, ouvia sempre algum segredo. Ouvia
e espalhava para as outras irmãs.
Realmente os traços da madre e o seu jeito de falar lembravam bem alguém
de origem francesa. Essa suspeita aumentava com um leve sotaque, mas que ela
tentava esconder. Era uma mulher bonita,
os traços fisionômicos eram suaves, um par de olhos azul celeste brilhantes e
misteriosos. A sua idade ninguém sabia
ao certo pois além dela não falar ninguém tinha coragem de perguntar. Nem mesmo
para a irmã Celeste, a sua aliada mais próxima, ela revelou. Parecia uma
loteria entre as irmãs. As apostas eram sigilosas, mas deviam ser santinhos. As
opiniões variavam, iam de 35 anos a 50 anos. As que arriscavam próximo dos 50
deviam ser míopes pois, com uma pele do rosto que parecia maçãs, a madre estava
mais para os trinta anos. Mas na verdade não poderia, pois já estava ali há
vinte anos.
Algumas irmãs mais antigas, secretamente, questionavam o fato de uma
irmã tão nova ser a madre superiora. Elas sempre achavam estranho o fato dela
ter chegado de repente e assumido o posto vago pela morte da irmã Maria Dulce.
Ela chegou primeiro que o comunicado da sua indicação. Esse tempo todo ali foi sempre
só de mistérios. Quase ninguém sabia dos movimentos da madre. Pouquíssimas
irmãs tinham acesso direto a ela. Com a sua chegada, poucos dias depois,
apareceram um padre sorridente e brincalhão de nome Arcanjo e um senhor sisudo,
que ninguém sabia o nome. Em todos esses anos, era apenas conhecido como
paizinho.
Uma manhã ensolarada trouxe a irmã Socorro sorridente. Chegou
saltitante, quase não conseguindo segurar a língua na boca e chamou as irmãs,
que naquele momento pegavam um pouco de sol no jardim, para uma conversa
debaixo de um frondoso pé de flamboyant. As irmãs, em número de oito, ansiosas
deslocaram-se rapidamente ao encontro da irmã Socorro, que já estava do outro
lado do jardim à sombra da árvore. Elas
sabiam, quando isso acontecia, que vinha alguma revelação. Rapidamente uma
irmã, de nome Dóroth, foi logo indagando sobre as investigações.
-
Socorro, fala! Descobriu alguma coisa? Conta pra gente!
Como era do seu jeito, antes de falar
alguma coisa fez um suspense. Sorriu levemente, levantou e abaixou as
sobrancelhas, pegou a irmã pelo braço e puxou-a para próximo de si, depois
mandou que as outras se aproximassem mais. Quando estavam todas ao seu redor,
falou:
-
Já descobri alguma coisa sim.
Falou e ficou em silêncio olhando as
amigas, como sempre acontecia, para chamar atenção. Sabia que a curiosidade
delas era infinita. Sempre alguém, e esse alguém era sempre a irmã Louise, parecia
a mais ansiosa do grupo, pois na realidade era a fofoqueira mor só perdendo
para a irmã Socorro. Com a pausa ela perguntou:
-
O que foi, Socorro? O que foi?
-
Calma! Já vou contar tudo. Fiquei na espreita. Quando o senhor entrou,
rapidamente colei a orelha na porta. Aí fiquei preocupada por alguém me
encontrar ali. Dei a volta e fui até a janela que fica do outro lado.
-
Eu sei! Eu sei! – interrompeu a irmã Louise, ansiosa.
-Calma! Posso continuar? Irmã, vê se não me interrompe! -Continuando... fiquei
ali uma porção de tempo. Pouca coisa eu escutei, essa é a verdade. Mas... ( fez
uma pequena pausa) escutei alguma coisa. E acho que foi importante. Não
descobri o nome do senhor, mas descobri o que ele é. Escutei a madre chamá-lo de
senador.
-
É mesmo? É mesmo, irmã Socorro? – perguntou, com cara de espanto, a irmã
Angelina.
As irmãs continuaram no mesmo lugar, conversando à boca miúda. De vez em
quando um riso contido era ouvido. O assunto devia ser outro, já que a irmã
Socorro pouco descobriu nas suas investigações. Enquanto conversavam, não
perceberam que eram vigiadas. Do outro lado da alameda um par de olhos azuis
estava na espreita. Como sempre, a madre superiora desconfiava de qualquer
ajuntamento. E essa reunião, em particular, deixou-a com uma pulga atrás da
orelha, tanto que, após o almoço, mandou chamar a irmã Angelina ao seu
gabinete. O chamado causou curiosidade nas outras irmãs, principalmente as do
grupo que tinha se reunido no jardim, já que eram as irmãs que andavam sempre
juntas. Socorro ficou ensimesmada. As amigas ficaram curiosas com aquele
silêncio. Doroth não resistiu e perguntou:
-
Socorro, o que é que você está pensando?
-
Eu estou pensando... Estou achando isso muito estranho. Ela mandar Angelina ir
até o seu escritório. Pra quê, né? A não ser que tenha visto a gente
conversando. Pode ser, já que ela não pode ver mais de duas pessoas juntas e
logo logo quer saber do assunto. Isso é coisa de gente doida, vocês não acham? Penso
que ela pensa que pode ser conspiração! Que todo mundo está tramando contra
ela! Eu sempre achei essa madre estranha. Isso foi imediato. Desde o dia em que
botei os meus olhos em cima dela, achei-a suspeita de alguma coisa, mas nós não
estamos tramando nada contra ela. Estamos só querendo saber de algumas coisas. Isso
não é pecado, ou é? Deixa isso pra lá. Vamos
esperar por Angelina. Ela vai esclarecer tudo.
...................Continua semana que vem!