A CULPA É
DAS LAGARTAS E DOS COELHOS
José Timotheo
As
manhãs acordavam incomodadas: nada de sol. Era todo dia a mesma coisa. As
quatros estações pareciam uma só. Pelo menos até às nove da manhã era o mesmo
cenário e isso nunca mudou.
Do
alto da serra escorria uma fumaça esbranquiçada, quase transparente, que vinha
vagarosa e pegajosa lambendo cada cabeça de gado que encontrava pelo caminho,
só perdendo força ao chegar nas proximidades das pocilgas. Mas o porco, ao
enxergar o bafo gelado que descia da montanha, enfiava a cara na tina de ração
e deixava que a névoa se dissipasse pelo pasto que o rodeava. Mas antes,
entrava por dentro do galinheiro, fazendo com os galos engolissem os seus
cocorocós e, em seguida, metessem a cabeça debaixo das galinhas.
Ali
era sempre assim. Até o sol tomar conta daquele pedaço, a fumaça já tinha feito
a sua festa. No início da minha chegada por aquelas bandas, achava a coisa mais
linda do mundo. Mas depois que o tempo foi passando, fui ficando incomodado.
Fui até obrigado a usar chapéu, uma coisa que eu nunca gostei, porque quando
entrava no meio do nevoeiro, saía com a cabeça encharcada e gosmenta. E também
com o cérebro tão gelado, que parecia que meus pensamentos congelavam.
Comprei
o sítio na roça para curtir a natureza. Interior mesmo! O vizinho mais próximo,
ficava a, mais ou menos, dois quilômetros de distância. Quer coisa mais
gostosa do que essa: não ter gente colado em você, vigiando os seus passos,
xeretando a sua vida? É o paraíso! Já pensou poder ficar sossegado, comer
verduras e legumes frescos plantados por você mesmo? Pensando nisso fiz uma
horta, cheio de orgulho, para comer alface, cenoura, couve, brócolis, etc. Tudo
fresquinho e sem agrotóxico. Acompanhei o crescimento das hortaliças nos
dias que lá fiquei. Emocionante. Só que tive que voltar para a cidade. E ali
fiquei um bom tempo. Quando retornei para o sítio queria fazer a colheita do
que plantara.
A
horta ficava numa parte mais alta do terreno. Na primeira vez, subi emocionado.
Quando olhei para os canteiros, decepção total: quase todos vazios. O que
sobrara a lagarta já tinha comido quase tudo. Cadê a alface, a couve, a
brócolis e a cenoura que semeara com tanto carinho? Olhava com uma tristeza
profunda. Mas de repente percebi que os pés de cenouras ainda tinham alguns
talos verdinhos. Emocionei-me. Percebi então que à esperança ainda não
tinha ido embora. Mas sem otimismo exagerado, pois a quantidade de pés de
cenouras não era muita, mas daria para matar a minha sede de agrotóxico zero.
Estava realmente emocionado. O que fazer? Não perguntei duas vezes, fui lá e
puxei o primeiro pé: sem a cenoura. Fui para o segundo: também nada de cenoura.
A alegria foi sumindo da minha cara. Mas não desisti e fui até o último pé que
tinha sobrado: e nada de cenoura. A decepção esbofeteou-me a cara. Quase
chorei. Desci o morro arrastando a esperança, que tinha despencado numa
ribanceira e parecia agonizante. Chequei na cozinha, onde a minha mulher
esperava-me para fazermos o almoço, com as mãos abanando.
Os
vizinhos distantes diziam que eram os coelhos selvagens que as devoravam, só
deixando a parte superior intacta. Disso, tenho minhas dúvidas. Coelho usa faca
para tirar a cenoura? Estranho que até hoje nunca vi um coelho sequer zanzando
pelo terreno. Mas tenho que engolir a política da boa vizinhança. Sorri para a
minha mulher e fui até o supermercado mais próximo. (Longe pra cacete!)
Até hoje, para viver de bem com a terra, deixei de lado os canteiros de
hortaliças e legumes. Compro tudo com agrotóxico, que eu colho sem me preocupar
com as lagartas e os coelhos selvagens, que já foram extintos há muitos e
muitos anos atrás na região.
fim