segunda-feira, 23 de maio de 2016

A Menina do Rochedo - Parte 12

Continuando...
- Tá legal. Relaxa. Não tem nada de caldeirão, não. Vamos lá. Rui Barbosa resolveu fazer uma viagem para o Amazonas. Se não me engano, na época ele era Ministro, não sei do quê. Mas era Ministro. Era um cara viajado. Sabia que ele foi professor de inglês na Inglaterra?
      - Não tô sabendo nada disso.
      - Também não tenho certeza não, mas é o que eu soube por aí. Mesmo sendo um cara viajado, não conhecia o Amazonas. Queria ver de perto o Rio Amazonas e os seus afluentes. Queria se inteirar dos costumes da população ribeirinha. Se pudesse iria conhecer também, algumas tribos indígenas da região. De preferência as já pacificadas. Era pequeno, mas não era bobo. Não queria se arriscar a virar petisco de algum índio antropófago. E lá foi ele. Chegou em algum afluente do rio Amazonas. Queria ir para o outro lado. Mesmo sendo um afluente, não era nada pequeno.
     - Ele era pequeno? Mas ele podia encontrar uma índia antropófaga pequenininha. Não seria melhor?
     - Porra cara! Você está confundindo as coisas! Que diferença faz o cara ter um metro e meio ou dois metros? A tribo com esse tipo de costume, gosta de comer carne humana!  Você confundiu o comer! Não é o que você pensou! Posso continuar?
     - Eu sabia lá da altura dele! Nunca vi! E a índia... Já comeram tantas por aí!
     - Omar! Se liga! Com essas índias, não devia sair nem um beijinho sequer! Você podia perder a língua!  Você era melhor quando ficava calado! Continuando. Rui procurou algum morador ribeirinho e se informou da possibilidade de algum barqueiro prestar-lhes serviço. Esse senhor levou-o até um casebre próximo, onde o morador tinha uma pequena canoa. A mulher do barqueiro disse onde poderiam encontrá-lo. Lá foi Rui com o senhor. Não andaram muito e lá avistaram o barco ancorado. O barqueiro, um caboclo troncudo, de estatura mediana, foi apresentado a “águia de Haia”. Imediatamente ele se dirigiu ao barqueiro nestes termos:
     - Oh, da África! Quanto queres em remuneração pecuniária, para transportar-me deste polo, até aquele outro hemisfério?
        O caboclo assustado, sem nada entender, respondeu perguntando:
     - O quê sinhô, cimitério?
             Rui meio indignado partiu para a ofensa.
     - Oh bucéfalo! Como ousas menoscabar a minha alta prosopopeia! Dar-te-ei um soco no alto da sua sinagoga, transformando as suas massas cefálicas em simples substâncias oxidas cadavéricas!
          O caboclo, meio que estatelado, sem entender patavina do que ouvia, falou, com os olhos esbugalhados:
      - O sinhô não me leva a mar não! Mais isso tudo num cabe dentro da minha canoa, não! A gente vai prufundu!
      - Gostou Omar? Pensei que fosse rir um pouco.
      - Rir? Rir de quê? Que graça tem essa piada? Estou igual a esse caboclo aí da estória: não entendi nada! Como é que você pensou que eu fosse, na altura do campeonato, achar engraçada qualquer piada, ainda mais essa que não tem graça nenhuma?
      - Porra Omar! Estou tentando descontrair um pouco! Posso?
      - Descontrair? Porra cara! Estamos aqui parados no ar! A garota olhando pra gente! E a gente sem saber o que ela está pensando! De repente pode até estar maquinando uma forma de nos aniquilar! E você aí tentando fazer gracinha! Não percebeu ainda que estamos fritos? Se liga! Essa não é hora pra piada!
      - Vai se ferrar Omar! Você é uma caveira sem senso de humor! Caveirinha marrenta! Se aquela menina fosse fazer mal a gente, já tinha feito há muito tempo! Arquitetando o quê? Não precisa nem pensar, é só derrubar a gente!
      - E se ela for sádica! Já pensou nisso? Acho que ela só está dando um tempinho pra água ferver e depois jogar a gente dentro do caldeirão!
      - Que drama! Tem água fervendo coisa nenhuma! Que mente criativa a sua! Pior disso tudo, é que nem mente você tem mais! Sabe de uma coisa: não sei como você continua falando e pensando!
      - Não vem com essa não! Você sabe que essa pergunta é muito difícil de responder! Pode ser que eu nem esteja falando! Já se perguntou se eu não sou criação da sua cabeça? Eu estava lá deitadinho! Você chegou e começou a falar comigo! Eu nem tinha ainda dado conta que tinha passado dessa pra melhor! Você é um cara muito doido!
      - Vamos deixar isso pra lá? Você não consegue uma explicação pra você e eu não encontro explicação convincente pra mim! Então devemos ser dois malucos! Não acha?
             Ele não respondeu. Está completamente calado. Esse silêncio repentino me incomoda. Será que essa caveira não existe? Se não existe eu pirei. Será isso tudo uma grande fantasia? Mas como eu estaria fantasiando? Eu estava no bar, com uma cabocla linda! E depois? Isso é que está me deixando encucado. Já me belisquei e senti dor. Isso é um grande indício de lucidez. Ou não? Não me lembro de ter sonhado alguma vez e ter sentido dor. Acho que estou vivendo uma coisa real. Onde está a fantasia? E aquela menina? Se bem que subi aquele paredão vertical de granito, sem escada. É uma coisa a pensar. Pensando na menina e lá está ela fazendo sinal pra mim.
      - Omar! Omar!
      - O que foi?
      - A menina está sinalizando pra gente. Ih! A asa começou a se movimentar! Viu só? É ela realmente que comanda tudo!
      - Aí é que mora o perigo! Cara, e se ela resolver derrubar a asa? Está pensando nisso?
      - Não. Até que não. Isso não me preocupa. Se ela quisesse, já tinha acabado com a gente há muito tempo. Já te falei isso. Mas... De qualquer jeito temos que rezar! Temos que rezar! Por precaução! Só por precaução! Já estamos chegando. Começamos a descer na vertical. Já viu disso? Fica quieto aí. Não fala nada. Vamos ver o que ela quer com a gente.
      - Falar pra quê? E eu vou conseguir?
               Caramba. Estamos descendo bem devagar. Parece que vamos pousar pertinho dela. Paramos. Ainda estamos no ar.  Ela está sorrindo pra mim. Está vindo na nossa direção. Acho que vai segurar a asa. Segurou. E agora?
      - Você está tremendo? Por quê? Continua com medo? Eu comandei todo o movimento da asa delta, porque você deixou!
      - Como assim? Ela é que não respeitava os movimentos! Eu sei que nunca tinha voado... 
      - Falta determinação! Falta o que querer! Falta fé! E o seu medo atrapalha muito! Quando você resolve decidir por alguma coisa, ainda decide fora de hora! Aí entra a ambição. Ela fala mais alto. Ainda vem na garupa a vaidade.
      - Mas eu não sou vaidoso e nem ambicioso!
      - Tem certeza?
      - Claro! Absoluta!
      - Se é assim, está na hora de seguir o seu caminho. O comando da sua vida é todo seu. Mas pode ficar tranquilo que vou continuar dando uma ajudinha. Principalmente no que diz respeito à instabilidade da asa delta. Você vai chegar com segurança até a praia. Vai pousar com tranquilidade. Mas para isso acontecer, vai ter que manter o pensamento positivo, se não alguma coisa pode dar errada.
      - Como assim! Posso morrer?
      - Viu só! Já está com medo! Toma muito cuidado com as suas fantasias. Às vezes as suas criações fantasiosas podem levá-lo para o buraco.
      - Mas as nossas fantasias não nos ajudam a viver?
      - O sonho ajuda, mas a fantasia não. A esperança ajuda, mas a ambição não. Vai com Deus. Vai, mas acho que você devia desistir do que veio buscar. Nunca precisou do que veio atrás. O melhor pra você é abrir mão de tudo.
      - Não estou entendendo nada. Sonho, fantasia, esperança, ambição... O que isso quer dizer? Eu não vim buscar nada! Só vim curtir Porto Seguro! Eu sei que alguma coisa saiu errada! Eu estava naquele bar...
     - Isso eu já sei. Se precisar de mim é só me chamar.
    - Está legal! Vou falar com Omar e vamos embora.
     - Mais uma fantasia? Isso pode levá-lo a loucura.
     - Não! Omar é real! Ele está em cima da asa!
     - Está dando asas a sua imaginação? Desculpe a brincadeira. Voa. Vai. Voa. Mas não se esqueça do que falei.
     - Viu cara! Ela ignorou a minha presença!
     - Ela não te ignorou, ela não te viu. Mas pode ter certeza que sabia que você estava aqui comigo. Vamos embora?
    - Vamos nessa!
    - Omar, olha só! Estamos voando numa boa! Na maior tranquilidade! Lá vamos nós! Estamos saindo de cima dessas ilhotas! Olha que mar aberto! Que vista maravilhosa! Estava precisando ver uma coisa assim! Vamos para o lado da praia. Veja só! A asa obedeceu ao meu comando! Mas preciso ter certeza de que estou realmente comandando!
     - O que é que você vai fazer?
     - Pode ficar calmo. Não vou fazer nada demais. Vou apenas sair um pouquinho do litoral e ir para o alto mar. Tenho que saber se realmente ela vai me obedecer.
     - Cara, não se arrisca! E se der alguma coisa errada e você não conseguir voltar?
     - Deixa de pessimismo! Já cheguei à conclusão que nasci pra isso! Eu sou bom! Vamos lá! Viu? Obedeceu numa boa! Vamos passear um pouquinho. Agora é só prazer.
     - Acho que você está se arriscando. Olha só a distância que já estamos da praia. Estamos nos afastando muito rápido! Vamos voltar cara! 
     - Está se borrando todo! Não foi você mesmo que me mandou ir para alto mar? Controla esse medo! Está bem, vamos voltar. Viu! Obedeceu de novo!
     - Graças a Deus! Estamos voltando rápido! Vamos descer logo!

     - Fica frio! Não vai acontecer nada com a gente! Tudo bem. Vamos descer.
Continua semana que vem...

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