Saímos de lá meio
envergonhados. Envergonhados com a gente mesmo. Tenho quase certeza que não
fomos notados pelos outros pescadores. Isso foi uma grande coisa. Do jeito que
chegamos, saímos. Ninguém nos olhou na chegada e nem na saída. Acho que se a
gente tivesse jogado o anzol dentro do barco deles, íamos pegar algum peixe e
não íamos ser notados. Não conseguíamos acreditar no que tinha acontecido. O
comandante tentou perguntar a um pescador qual era a sua isca. O cara deu uma
resposta, sem olhar na cara dele, que de nada adiantou. A isca dele era a mesma
que estávamos usando. Era muito estranho àquela rejeição dos peixes pelos
nossos anzóis.
Tomamos o rumo das Ilhas Cagarras.
No meio do caminho me lembrei de um fato que me preocupou muito. Na hora nem
comentei com os amigos. O nome do barco estava riscado. Tinham passado uma
tinta por cima do antigo nome. Por baixo ainda tinha uma sombra, que dava pra
ver que era Esperança. Eu me lembrei que era realmente esse o nome. Já tínhamos
saído algumas vezes com esse barco. Agora estava rebatizado de Titanic. Por
quê? Me arrepiei dos pés a cabeça. Era mais uma preocupação. E essa, a pior
delas. Enquanto navegávamos, fiquei do lado do comandante. Indaguei sobre a
mudança do nome do barco. Ele fez uma cara de surpresa e disse que não tinha
observado a mudança de nome. Não sabia quem tinha feito isso. Depois me olhou
sério e falou: - Isso aqui não afunda nunca! – Ficou olhando no meu rosto em
silêncio, mas deixou escapar um sorriso enigmático. Não gostei nada, nada
daquela reação. Bateu nas minhas costas e me mandou colocar iscas nos meus
anzóis. Naquela hora a preocupação pelos peixes, era de importância menor. Se
bem que o fato de não pegarmos nenhum peixe, era um motivo a mais de ficarmos
preocupados. Principalmente eu. Nunca soube de um caso assim. Quando saia um
barco, já abarrotado de peixes, a gente ficava no seu lugar, achando que íamos
nos fartar de pescados. Qual nada, os peixes sumiam. Cansamos. Foi quando
resolvemos sair. Alguém falou Cagarras! E lá fomos nós. O motor já estava
ligado e o seu toc, toc, toc explodia dentro da minha cabeça. Rezei um bocado
para chegarmos logo ao destino. Que alívio, chegamos! Os molinetes já estavam
prontos. Um friozinho fez a gente se agasalhar. Um dos amigos colocou a linha
dentro d’água e já gritou emocionado. –Peguei um! Peguei um! Esse é dos
grandes! – Paramos para observar a briga dele com o peixe. Foi uma briga
intensa. De vez em quando,deixava o peixe levar um bocado de linha. Depois
recomeçava a puxar. Quando chegava num ponto qualquer, ele não conseguia trazer
o bicho para fora d’água. Aí a pressão fica grande. Então resolvia deixar o
peixe levar a linha para o fundo. Depois recomeçava a ginástica. O cara já
estava bem cansado e nada do bicho chegar à superfície. Resolveu então trazê-lo
de qualquer jeito. E puxou. E puxou. De repente o peixe atravessou por baixo do
barco. A linha ficou leve. Em seguida outro tranco. A linha começou a raspar no
fundo do barco. A pressão na linha permaneceu por quase cinco minutos. O peixe
não aparecia e nem o amigo conseguia trazê-lo. De repente a linha ficou frouxa.
Achamos que o peixe tinha cansado. Agora seria fácil. Naquele momento já estava
todo mundo envolvido. A torcida junto ao amigo era grande. Nisso outro amigo
falou que a sua linha estava balançando. Foi lá e constatou que tinha um peixe
no seu anzol. Começou a puxar. Por sua vez o outro sentiu que a sua linha
voltava a esticar. Naquela altura ele já não tinha mais braço para tentar puxar
o peixe. Mas mesmo assim recomeçou a briga. O outro, mais descansado, puxava a
sua velozmente. Com poucos minutos os dois estavam com as suas linhas
completamente esticadas. Nenhum dos dois conseguia trazer o seu peixe.
Resolveram não fazer mais pressão. Mantiveram apenas as linhas esticadas. Não
queriam arriscar em perder os peixes. O comandante saiu do seu posto e se
aproximou de onde estava um dos pescadores. Esticou o corpo para fora do barco
e olhou o costado da embarcação. De repente uma risada ecoou. Ele não conseguia
falar. Apontava e ria. Seis de nós, eu e mais cinco, que não estávamos com a
linha n’água, corremos para ver o que estava causando tanta graça. Com essa
súbita mudança de bordo, quase que o barco virou. Três voltaram rapidamente. Eu
fiquei e fui olhar. Tive que rir. Ri muito. Um deles tinha um peixe minúsculo
no anzol. E o coitado ainda tinha sido pego pela barriga. Além do peixe, tinha
um galho de árvore. Foi uma trabalheira só para desembaraçar as linhas. No
final foi constatado que faltava um anzol. Aí o papo de pescador ganhou
história. Fiquei à parte só escutando. Fiquei imaginando que ao voltarmos para
a terra, essa história teria outra cara. Com a gente o dono do molinete já
avaliava o tamanho do pescado. Naquele momento o suposto peixe que tinha escapulido,
já estava com cinco metros. O filhote de pargo, fisgado pela barriga, já
beirava os trinta centímetros. Aquilo foi até motivo para uma rodada de
cervejas e salgadinhos. Deixamos as linhas dentro d’água e ficamos jogando
conversa fora. O tempo foi passando e nada de peixe beliscar. Passou um gaiato
numa traineira e sacaneou a gente. – Tá ruim mermo, heimcumpadi! Num pescaram
nada na laje e nem aqui! Num é mermo? Vão pru mercado, que é mais garantido o
peixe! – Uns xingaram o cara. Outros
levantaram um dedo, simbolizando o pênis. Eu e o comandante ficamos calados.
Estava completamente desanimado. Só tinha uma vontade: ir embora. A coisa não
estava legal. Nada dava certo. Nenhum peixe pra contar história. O silêncio
tomou conta do banco. As linhas dentro d’água, sem nenhum sinal de peixe. O
desânimo estava contagiando todo mundo. De repente um grito, vindo da proa,
quebrou o silêncio. Alguém perguntou ao comandante se tinha banheiro na
embarcação. Disse que a coisa estava ficando preta. Estava apertadíssimo. O comandante deu um sorriso e mando-o pegar
uma garrafa pet cortada ao meio e se servisse. Está na hora de dar nome aos
bois. Vou batizar os membros da tripulação. Carlos respondeu de lá, que não era
para urinar. O comandante deu uma gargalhada, apontou para o oceano e disse: -
Caga ali! Fica a vontade! Caga tudo que você tem direito! – Carlos olhou e
respondeu que não sabia como. Não ia entrar de jeito nenhum dentro do oceano.
Aquilo seria extremamente perigoso. Além da água está completamente gelada, ele
não sabia nadar. Então o comandante sugeriu que duas pessoas o segurassem, com
a bunda virada para a água. A princípio ouve alguma contestação, mas devido aos
gases perigosos que o cara já começava a expelir, Bento e Aldo resolveram
ajudar. Carlos subiu na borda e os dois seguraram-no pelos braços. Aí começou o
problema. Quem arriaria o short dele? Beto como era maior, com os braços
compridos, subiu no banco e se esticou para arriar o short de Carlos. Mas o
comandante vendo aquela cena engraçada e sem pé nem cabeça, sugeriu que
tirassem o cara dali e voltasse com ele já completamente despido, para o
banheiro aéreo. Se não fosse a quantidade de cerveja que o pessoal estava na
cachola, com certeza jamais faria uma coisa daquela. Beto, aceitando a sugestão
do comandante, foi descer para Bento e Aldo tirarem Carlos dali. Aí o bicho
pegou. Escorregou e foi se segurar em Bento. Acabou caindo os quatro dentro do
mar gelado. Foi um Deus nos acuda. Carlos com medo de morrer, acelerou a sua
cagada. Bento que continuava segurando o braço do amigo, acabou ficando no meio
da merda. Uma água marrom e fedorenta foi envolvendo os quatro. O mau cheiro
rapidamente tomou conta do ar. A coisa ficou difícil. Carlos se debatia e
afundava. Bento puxava o amigo, que já estava com coco até na alma. Aldo e Beto
também ajudavam. Tentaram subir com o amigo no barco, mas não conseguiam.
Estavam todos os quatro escorregadios. O comandante pegou um salva-vidas e
lançou para eles. Aldo pegou e colocou em Carlos. Finalmente ele se acalmou,
menos o fedor.
Continua semana que vem...
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